Faz um mês. Era um sábado de manhã nublada, enquanto me aprontava para
sair de casa escutava um choro desesperado de filhote de cachorro. Não
consegui ser alheia a todo aquele desespero, saí na rua, olhei, procurei
e nada. Na vizinhança todos os moradores de quatro patas já são
grandinhos e não choram mais naquele tom. Mas, alguém chorava e muito.
Voltei
para dentro de casa e segui ajeitando as coisas para sair, quando a mãe
chegou comentei, a essa altura a Amora já estava em alas andando de um
lado para o outro. Afinal, a audição dela é bem mais apurada do que a
nossa. Olhamos, pensamos, e não imaginávamos de onde estava vindo o
choro - que seguia constante.
Estávamos entrando no carro quando
um senhor e a sua mãe pararam perto de uma pilha de tijolos, na obra
aqui na esquina de casa. O choro vinha dali, sob o palete que apoiava os
tijolos havia uma bolinha de pelos. Estica daqui, puxa de lá, peguei
ele. Aconcheguei no colo e saímos, eu e a mãe, deixando os compromissos
para trás. A ideia era conseguir alguém que ficasse com ele, que fosse
cuidar. Ele resmungava, mas estava aparentemente gordinho e bem cuidado.
Uma
tentativa, duas. Uma foto no Facebook. Até o início da tarde a estadia
dele aqui em casa era temporária, ele iria para uma feira de adoção da
ONG no domingo. Ou ainda tínhamos a esperança de encontrar o dono dele -
um cachorro de cerca de 45 dias, aparentemente de raça. Mas, quando eu
peguei ele para olhar mais de perto, mexer no pelo, e até dar um banho,
já que ele estava sujo de ter ficado sob os tijolos, tive certeza que
ele não tinha dono. E se tivesse alguém que se dizia dono eu não
devolveria, ele tinha pulgas e carrapatos em todos as fases possíveis.
Dei
banho, sequei, mimei. A mãe foi convencida, após algumas condições,
sobre a permanência do moço aqui em casa. Batizado de Zé, o nome que o
mano sempre quis dar a um cachorro desde que a Mell chegou aqui.
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Registro dos primeiros dias do Zé no novo lar |
Há
um mês eu já dormi no sofá. Trabalhei em um domingo quase
torta, afinal dividir o sofá com o Zé e com a Amora não é fácil. Dormi
uma noite no chão da sala, com os dois em um colchão de solteiro.
Transferi ele para o meu quarto, o travesseiro ao lado da cama, que a
Amorinha não ocupa é dele. O travesseiro, o tapete, os pés da cama.
Ainda
não consigo olhar para o José ou qualquer bichinho abandonado e
entender como alguém tem coragem de fazer isso. Ele tem amor de sobra.
Mesmo tendo sofrido demais. Como eu sei que ele sofreu? Ficar sob
tijolos em uma manhã fria deve servir por si só. Mas, ele deve ter
passado coisas piores. O motivo das minhas noite no sofá e no chão da
sala é o desespero dele ao ficar sozinho e preso em algum lugar. Aqui em
casa ele estava protegido e quentinho, e mesmo assim chorava. Já
tivemos outros filhotes aqui, em que bastava tirar eles da "prisão" e o
choro cessava. O Zé seguia chorando, tremia e nada que parasse antes de
uma meia hora.
Hoje ele chora de sem vergonha, com a cara mais
deslavada do mundo, uma cara de coitado. O choro ocorre na frente do
sofá, do lado da minha cama, em frente ao armário da cozinha onde fica a
ração ou ainda na frente que qualquer um que se mostre um colo em
potencial. Ele quer carinho.
A Amora não curtiu muito a ideia de
dividir o espaço e as coisas dela. Filha única. A relação dos dois é
engraçada, é preciso dividir o colo, a comida, os brinquedos, a cama.
Tudo é duplo, mas eles querem o mesmo. Quando são separados, um vai ao
encontro do outro. Agora, tem um momento que ele ainda não entendeu que
ela não quer brincadeiras: de manhã. O filhote de três meses pula da
cama ligado na tomada, a filhote - velha ranzinza - de 11 meses demora a
despertar, curte a preguiça e rosna a cada tentativa de contato.
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Um mês depois |
Posso
dizer que o Zé já dobrou de tamanho e segue dormindo dentro de casa.
Esperaremos os próximos meses para saber qual será o porte do moço de
patas grande e fofíssimas. E, por mim, ele segue abrigado no quentinho
da casa. Rua, frio, tijolos e choro nunca mais. Adote, resgate, é tudo
de bom!